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sexta-feira, 25 de agosto de 2023

A Raridade da Poesia




Se o filósofo tem apenas uma grande ideia a respeito de um dos milhares de assuntos ou aspectos de assuntos que fazem parte das nossas conjecturas, o que ele pode fazer com ela? Pode, quando muito, escrever uma pequena tese, um aforismo ou máxima para ser apresentado ao mundo conjuntamente com outros textos que, como aquele, se esgotam em poucas linhas. O que não deixa de ser uma grande vantagem: poder declarar uma importante verdade com exíguas palavras. Porém, é nas mãos do poeta que domina a sua arte que a ideia simples, lapidar, tem a grande oportunidade de se apresentar nos atavios de uma verdadeira obra de arte: um poema completo. O poeta, de posse daquela ideia acalenta-a, fá-la crescer e ter companheiras — frases que se não a tornam mais compreensiva ao menos a cercam de beleza. O poeta tem direito a digressão, a descrição, ao repouso, em meio à enunciação de sua tese, à sombra da árvore frondosa, ao vôo com o pássaro no brilhante firmamento. Tudo isto se incorpora aquilo que poderia ser dito de maneira sucinta. E assim a idéia torna-se poesia, ergue-se como caule ao redor do qual se estendem os ramos de variadas formas, com folhas vistosas onde se escondem os pássaros e de onde eles desferem o seu canto que ecoa no vale ou colina aprazível onde a árvore foi plantada pela imaginação do poeta. Não bastassem estes recursos de que se serve o vate, ainda lhe estão disponíveis todas as possibilidades enriquecedoras das sílabas bem escolhidas e submetidas ao metro, enaltecendo o ritmo tão propício aos humanos ouvidos, e das rimas bem-feitas que são a sua coroa. É isto, portanto, o que tão conspicuamente distingue o poeta do filósofo ou do ensaísta. Têm, estes últimos, pensamentos grandiosos que envolvem muita argumentação para serem expostos com clareza, pois são sempre aqueles poucos temas que tem sido a preocupação constante da mente humana, tais como a forma ideal de governo, a ética mais justa, o sistema econômico perfeito, a imortalidade da alma... Temas estes que sempre foram muito discutidos e a respeito dos quais se escreveram a maioria dos livros sérios. Ninguém pode aventurar-se nesses assuntos sem servir-se desta montanha de erudição, sem interpretá-la ou contestá-la a sua maneira. Entretanto a poesia não diz respeito, geralmente, a estas poucas idéias grandiosas e antinomias kantianas, porém àquelas inumeráveis questões que são tão ou mais importantes, pois decidem o próprio rumo de nossa existência. A poesia é, em suma, existencialista no bom sentido. Até mesmo o poema épico, fantasista, transuda exemplos que nos auxiliam a viver e tomar decisões valiosas para o curso de nossas ações. O bom poeta é, então, além de mestre absoluto no trato com as palavras escritas, também aquele que abunda em grandes pensamentos iluminados, que não são, contudo, aqueles pensamentos abrigados no panteão dos temas mais clássicos da filosofia. Ele é até mesmo mais original, mais fecundo que o pensador limitado aos temas maiores, temas estes que já estão dados a milhares de anos. Pode ele fazer um lindo poema, por exemplo, aconselhando um amigo sobre como tratar uma mulher coquete e presunçosa. Ou, simplesmente, a recordar quadras queridas de sua existência, tais como a sua passagem por uma instituição de ensino e as amizades que lá desfrutou. O valor de uma lágrima. Coisas assim. Tudo, porém, dito e descrito com beleza, a beleza que só os bons poetas são capazes de capturar. Talvez porque a amem e procurem mais do que os outros homens. E nisto se resume a questão toda: o poeta busca, e às vezes pagando por isto o preço que a maioria dos homens não está disposta a pagar, a beleza mais pura e a oferece numa bandeja de ouro àqueles que, embora sentindo necessidade dessa beleza, não querem empenhar suas vidas para encontrá-la onde ela estiver — mas a querem mesmo assim. Como disse Keats, um daqueles que mais buscou e encontrou a beleza da vida: “A thing of beauty is a joy for ever”.


José Cassais

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