O Enigma do Quatro começa como alguns dos livros de Dan Brown (vide Inferno e Ponto de Impacto): com a morte. Dois cavaleiros são enviados para entregar uma carta, sendo avisados de que morreriam se a carta fosse aberta por eles. Eles o fazem, cercando-se de precauções, mas o recipiente tem como saber com certeza se a carta foi aberta pelos portadores. A curiosidade matou o gato, como se diz.
A estória se desenvolve ao redor de um livro que
realmente existe (foi publicado em 1499), e que tem um nome difícil de
pronunciar: o "Hypnerotomachia Poliphili". a identidade do autor é
incerta, mas supõe-se que tenha sido um frade de nome Francisco. Seu nome
aparece em um acróstico que pode ser encontrado juntando-se a primeira letra de
cada um dos capítulos que compõem o livro: "Poliam Frater Franciscus
Columna Peramavati". Isto significa "Irmão Francisco Colonna amava
muito a Polia".
Na contracapa, a propaganda do livro compara o estilo
dos autores aos de Scott Fitzgerald, Umberto Eco e Dan Brown somados. De muitos
leitores a crítica não se deixa seduzir pelo elogio superlativo, mas taxa o
livro de cansativo. Na verdade, em algum momento na trama, falando a respeito
do Hypnerotomachia, alguém diz que é exatamente assim, difícil de acompanhar,
e, de repente o leitor começa a pensar: Parece que os autores estão descrevendo
o seu próprio livro. Não que este seja mal escrito ou se torne desinteressante,
mas acontece que o leitor, tendo sido lembrado de Dan Brown espera ser
conduzido naquele ritmo alucinante de situações cheias de ação e obstáculos
aparentemente intransponíveis à cada parágrafo, os quais são a marca registrada
do autor de O Código Da Vinci. Até a metade do livro, mais ou menos, o autor
dedica-se muito a descrever a convivência dos personagens principais, suas
peripécias em Princeton, sua vida psicológica, sem levar o leitor para o centro
da ação, a qual ele aguarda ansiosamente. Apesar disso, estas descrições não
são isentas de méritos. A partir deste ponto, entretanto, o livro se torna
digno de comparação com as obras de Dan
Brown, misturando situações complexas e desafios ao raciocínio do leitor,
levando-o a apelar para a sua possível experiência cultural humanista e o gosto
por enigmas de alto nível. A partir de sua quarta parte, mais ou menos, o
enredo continua neste ritmo elevado, ao mesmo tempo em que a qualidade puramente
literária do livro aumenta exponencialmente, fazendo jus à comparação com o
estilo de Fitzgerald e Eco.
Na verdade, parece que o cerne da questão tem a ver
com a passagem do tempo e o que fazemos com o que temos dele disponível. Como
disse um certo escritor, "Tão pouco tempo, tantas conspirações." A
maior parte das grandes obras literárias tem a ver com a celeridade dos
acontecimentos, sendo apenas uma reflexão sobre o sentido da vida humana em seu
embate com a fluidez de um tempo limitado e a maneira como nós, seres em
constante mutação para melhor e para pior, psicológica e fisicamente, conduzimos
nossas vidas neste contexto.
Existe uma semelhança essencial entre as tramas do
livro de Caldwell e Thomason e o de Dan Brown, anteriormente citado. Neste
último, é revelado que o Santo Graal é na verdade um tesouro escondido, sendo
composto de livros raros antiquíssimos ocultos em algum lugar que só pode ser
encontrado pela decifração de vários enigmas eruditos. Estes livros seriam
aqueles que foram preservados dentre os que o imperador Constantino intentou
destruir completamente quando achou que era uma boa ideia, de acordo com Dan
Brown, deificar Jesus Cristo (o qual, anteriormente, teria sido reconhecido
apenas como um sábio líder) a fim de basear nesta crença a unificação de seu
reino. Tais livros, cabalmente, provariam a origem prosaica do Cristianismo e
da pessoa de Cristo. O livro de Caldwell e Thomason também conduz à descoberta
de um tesouro em lugar oculto, o qual só poderia ser encontrado pela decifração
de enigmas criados para serem analisados por pessoas com uma sólida cultura
humanista. Este tesouro também é, principalmente, uma coleção de livros raros
da antiguidade, os quais se supunham perdidos para sempre, guardados junto de
um grande número de obras de arte do mesmo nível. E é aí que os dois livros
parecem complementar um ao outro: enquanto que o tesouro de O Código da Vinci
emanciparia a humanidade da crença ultrapassada no Cristianismo, cujo tema
central é a divindade de Cristo, o tesouro literário de O Enigma do Quatro a
abasteceria com farto material para começar a reconstruir uma cultura puramente
humanista. Juntando os enredos: se os dois tesouros fossem encontrados, seria o
começo de uma era dourada para a humanidade, do ponto de vista dos admiradores
da cultura do Renascimento.
Além disso, o livro descrito no O Enigma do Quatro
causa uma espécie de atração poderosa e excludente nas pessoas que se
interessam pela decifração de seus enigmas, terminando por envolver suas vidas
inteiras nesta tentativa, tornando-se o ponto central de suas existências e
transmitindo seu fascínio até mesmo para a posteridade dos que com ele se
envolvem. As descobertas dos eruditos são transmitidas aos seus colegas e às
novas gerações que irão levar adiante o processo de decifração. Tal poder de
atrair os maiores esforços das mentes mais capazes, com vistas a compreensão
plena, só existe em um outro livro, muito mais antigo que o Hypnerotomachia: a
própria Bíblia Sagrada. Desde que esta começou a ser escrita também teve início
um esforço de estudo e compreensão de seu texto que envolveu inúmeros homens,
os quais acreditavam nela a ponto de entregarem, muitas vezes, a própria vida
para não irem contra os seus ensinamentos.
Na época do Velho Testamento estes eram os rabinos e escribas, os
mestres da lei sempre envolvidos no estudo e preservação da Palavra de Deus. A
partir do Novo Testamento tal esforço se intensificou, e surgiram estudiosos de
alto nível, transformando o estudo da Bíblia numa verdadeira ciência envolvendo
várias disciplinas, tais como o estudo de línguas antigas, exegese, teologia,
tipologia, humanidades, arqueologia, história, fatos atuais e, principalmente,
o fascinante estudo das profecias. Milhares de homens dedicaram suas vidas
inteiras a este tópico unicamente, apoiando-se nas descobertas de seus
predecessores e acrescentando a elas suas próprias interpretações. Milhares de
livros foram escritos relatando esta relação de homens capacitados com o texto
de um único livro no intuito de decifrar suas mensagens proféticas. Eis a fonte
na qual, provavelmente, os autores foram buscar inspiração para o envolvimento
tão intenso dos personagens de seu livro com esta obra renascentista, o
Hypnerotomachia Poliphili.
José Cassais
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