De
acordo com a linguística, ou até mesmo com os ensinamentos da novíssima Ciência
Cognitiva, a linguagem humana com sua sintaxe é um dom inato, instintivo, tal
como o das aranhas para construir a teia ou o das aves que se guiam em suas
migrações pela posição das constelações. Segundo Saussure, Pinker, Chomsky e
outros importantes pensadores, dominar perfeitamente o mecanismo complexo da
linguagem não é privilégio das pessoas ditas cultas, mas algo inerente a uma
determinada etapa do desenvolvimento da mente, um mecanismo herdado e
programado para ativação num período recuado da existência humana: aos três ou
quatro anos de idade qualquer criança, independente da raça à qual pertença, já
domina tão bem o seu vernáculo, em relação à sintaxe e correta construção
gramatical das frases que emprega, quanto Platão ou Shakespeare dominavam os
seus nos seus períodos mais criativos.
Além das verdades que nos trazem as conclusões de estudos deste tipo, torna-se evidente a ocorrência nos escritos de muitos dos divulgadores destas descobertas tentativas, veladas ou muito abertas, de utilizá-las com vistas a justificar um nivelamento do ser humano, relativamente ao seu potencial cultural, ao nível do domínio das complexidades gramaticais, sem levar na devida consideração que o nosso desenvolvimento como seres cultos acontece sobre este estrato de conhecimento gramatical instintivo, independentemente de qualquer capacidade genética herdada.
Obviamente, para nós a sintaxe é o mais importante, pois a linguagem é o que nos diferencia conspicuamente dos outros seres vivos. É como se fosse um alicerce que já recebemos pronto, infrangível, perfeito nos mínimos detalhes. Contudo, o que se constrói sobre este alicerce depende de cada um — se bem que, às vezes, não apenas de nós, mas também daquilo que o ambiente nos disponibiliza. A tal construção cognominamos a “cultura” de cada um. Platão, no que diz respeito ao seu tesouro de linguagem, poderia estar no mesmo nível de riqueza que um infante ianomâmi, mas a construção que ele ergueu sobre este comum alicerce dificilmente será igualada pelo último.
Todos
os seres humanos possuem capacidade semelhante para desenvolver o domínio da sua
linguagem, independentemente da raça ou civilização à que pertençam, e merecem
por este motivo ser considerados como possuindo o mesmo status intelectual. O
diferencial dos indivíduos assenta-se sobre o que eles constroem sobre esta
base, pela maneira como “culturalizam” a sua linguagem particular. Neste
sentido nenhum homem é igual a outro, cada um atraindo para si, dos seus
semelhantes, níveis de consideração e de reconhecimento diferenciados. Em tal
sentido, nem mesmo em uma sociedade particular, por mais igualitária que ela seja,
dois indivíduos podem ser igualmente considerados, porquanto cada um desenvolve
o seu domínio da linguagem percorrendo os caminhos que seleciona para si mesmo
no reservatório cultural ao qual todas as pessoas naquele ambiente tem acesso.
Quanto mais evoluída a cultura de uma sociedade, o número das linguagens
técnicas a disposição de todos e o acesso a elas disponibilizado aos seus
cidadãos, maiores as possibilidades de crescimento intelectual diferenciado
para cada um deles.
José
Cassais
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