Daquelas pessoas que se esforçam para implantar o comunismo em uma sociedade a minoria, que estudou os princípios do comunismo e sabe que ele não funciona ou funciona mal em comparação com o simples sistema de mercado, age com má intenção, em causa própria e sem levar em consideração o destino da própria sociedade; os outros, que são a grande maioria, simplesmente não entendem nada de ciência econômica, sentindo prazer em cultivar a sua indignação natural contra aqueles que se sentem justificados em apodar de classes exploradoras. Pertencem a um tipo de pessoas que aprecia sentir-se mais justa do que os outros, apontando-lhes um dedo acusador, para as quais pessoas o comunismo fornece os motivos que aparentemente justificam tal atitude — motivos que elas não se preocupam em avaliar em profundidade, e nem mesmo tem condições para tal empreitada.
Substancialmente, pessoas são boas ou más. Da mesma forma, sistemas de produção são eficientes ou ineficientes. Acidentalmente, pessoas podem ser eficientes ou ineficientes, e, da mesma forma, acidentalmente sistemas de produção podem ser bons ou maus se considerados como causas e nos seus efeitos sobre a vida das pessoas. Seres vivos, enquanto dotados de moralidade (ou conhecimento do certo e do errado), não podem ser julgados por categorias de eficiência ou ineficiência, assim como sistemas físicos de produção não podem ser julgados por categorias de bondade e maldade. Os que acreditam no marxismo acusam o sistema de produção capitalista de ser intrinsecamente mau, o que se revela um erro, pois não é possível emitir um julgamento moral a respeito de um sistema. Parece como se os críticos marxistas do sistema capitalista atribuíssem a este último a propriedade de retirar das pessoas a possibilidade de agirem de maneira moralmente correta, como se estas pessoas, vivendo e agindo sob aquele sistema, somente pudessem ser más.
Sistemas são implantados e manejados por pessoas, que são controladas por leis. Nos primórdios da assim chamada revolução industrial, o sistema capitalista ainda não havia atingido o estágio no qual as leis que deveriam regular as relações entre empregadores e empregados pudessem desempenhar o seu papel de forma efetiva. Marx, ao invés de concentrar os seus esforços no que poderia ter sido feito para aperfeiçoar o sistema de mercado através da criação de leis que coibissem a exploração dos trabalhadores e lhes assegurassem rendimentos justos, de acordo com a utilização da sua capacidade produtiva, escolheu trabalhar sobre a possibilidade de demolir completamente o sistema existente, tentando criar uma nova sociedade utópica, surgida diretamente da mente dos burocratas bem intencionados (a princípio) que a gerenciariam.
O comunismo, ou seja, aquelas pessoas que acreditam nesta ideologia, querem transformar a Terra numa imensa fábrica de propriedade de um único dono: o Estado na forma de um novo Leviatã, criado não para garantir a segurança dos seus cidadãos, mas a sua subsistência. Da mesma forma como para assegurar a segurança social é necessário que esta função seja assumida integralmente pelo Estado, com cada cidadão abrindo mão, em favor daquele, do seu direito de cuidar da sua defesa e da defesa daqueles que estão sob a sua égide, igualmente, para que o Estado possa assumir integralmente a tarefa de prover as necessidades secundárias de alimentação, habitação, vestuário, lazer, etc., de cada cidadão, estes últimos tem de abdicar ao seu direito natural de cuidar destas questões por si mesmos, entregando esta tarefa para o Estado.
A inspiração para uma sociedade-fábrica funcionando perfeitamente, com os cidadãos transformados em funcionários cuja única função é produzir, vem do exemplo no modelo capitalista de uma fábrica bem sucedida, produzindo plenamente e gerando riquezas que são distribuídas aos seus empregados na forma de salários e benefícios. Tal modelo existe atualmente e não é difícil de ser encontrado, com inúmeras empresas que se constituem em mini-universos sociais, onde os funcionários que nelas trabalham recebem todos os benefícios da vida em sociedade. Resta saber se o Estado é um empresário eficiente ao ponto de gerir a sociedade como uma fábrica bem sucedida — pois empresas podem ou não ser bem sucedidas.
A premissa número um do capitalismo como sendo o sistema econômico ideal para uso de seres humanos é a mesma do judaísmo e do cristianismo, a qual leva em consideração os acontecimentos narrados no livro de Gênesis, capítulo 1: o homem é um ser imperfeito, o qual não merece confiança absoluta uma vez que não possui em si a força moral necessária para dominar os seus apetites. Não conseguiu fazê-lo nem mesmo quando deveria atender a uma ordem oriunda do próprio Deus, numa situação aonde não havia a desculpa de escassez — pois o fruto da árvore proibida não era necessário para saciar a fome de nossos primeiros pais, e nem os outros frutos disponíveis para a sua alimentação eram desprezíveis, mas, ao contrário, diz a Escritura que “Do solo fez o Senhor Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento” (Gn 2:9). Portanto, assim como Deus considerou que o homem era imperfeito e precisava estar sob a sanção de suas leis, ainda assim sendo capaz de viver em sociedade e cuidar da sua subsistência sem precisar criar um Estado todo poderoso com o fim de determinar suas ações econômicas, da mesma forma o sistema capitalista considera que os seres humanos estão aptos a cuidarem de si mesmos, precisando apenas de boas leis com o fim de controlar a tendência que os homens têm de não respeitarem a propriedade alheia — da mesma forma como Adão e Eva no paraíso não respeitaram a única árvore no jardim que Deus havia reservado como sendo de sua exclusiva propriedade. Já a premissa correspondente no sistema do comunismo é que os homens são intrinsecamente maus, totalmente incapazes de viver em liberdade e podendo decidir as suas ações por si mesmos, contudo devem ter as suas vidas completamente determinadas pelo Estado.
Da mesma forma como os comunistas acreditam piamente que os capitalistas, ou seja, os partidários da economia de mercado, são intrinsecamente maus apenas por estarem deste lado da ideologia, da mesma forma muitos defensores da livre economia cometem o erro oposto e correspondente de julgarem que qualquer ideia ou pessoa relacionada ao socialismo, ao Estado como auxiliador das pessoas necessitadas, é completamente condenável. Caso a teoria marxista da mais-valia se mostrasse correta, o que deveria ser feito é perguntar se seria possível o capitalista levar adiante o seu negócio de forma satisfatória, mesmo abrindo mão desta quantia em favor de seus empregados, e, então, dever-se-ia lutar de todas as formas para que o valor integral fosse sempre para as mãos de quem o houvesse gerado. Entretanto, se a mais-valia, ou parte dela, mostrasse ser uma reivindicação absoluta do empresário capitalista, ou seja, se ele não aceitasse desistir desta quantia sob pena de abandonar o seu investimento, então se teria descoberto que ela é a condição sine qua non do capitalismo.
José Cassais
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