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sábado, 4 de maio de 2013

Complexo de Portnoy - Philip Roth

O autor do livro é judeu, e o seu livro parece uma versão judaica do “Apanhador no Campo de Centeio”, do Sallinger. A escrita acompanha o ritmo do pensamento: não é literatura, é pensamento escrito no ato. Onde acontecem descrições de ações, estas servem apenas como desencadeadores do jorro de pensamentos que a elas se seguem. A emoção despertada por este tipo de leitura é do mesmo tipo daquela dos que assistem ao Big Brother televisivo: acompanhar de um posto privilegiado a intimidade comum de pessoas comuns. No caso o acesso é à um ambiente ainda mais restrito do que a exterioridade da vida intima escancarada: o próprio pensamento do observado.

O que faz o encanto deste tipo de voyeurismo é que a personalidade em observação seja interessante — daí o cuidado extremo na escolha dos participantes do show na televisão, onde todos precisam ter qualidades além da simples beleza física. Quer dizer: um certo caráter, ao gosto dos telespectadores. Personalidade. E isto, o Portnoy, aliás, o Roth, tem bastante. Porquanto, se já rende um tremendo ibope colocar pessoas comuns, ainda que interessantes, num ambiente fechado a fim de que as suas vidas e personalidades sejam minuciosamente observadas no horário nobre da televisão, quanto mais transpondo a devassa para uma instância literária. E considerando que os leitores são, em sua maioria, não-judeus, não valerá a pena acompanhar os detalhes mais íntimos da vida e dos pensamentos de um jovem judeu de família tradicional? O qual, ainda por cima, tem a coragem de nos mostrar em close-up todas aquelas particularidades que fazem parte das nossas próprias vidas e que acreditamos que façam parte da vida das outras pessoas, mas que deixamos confinadas ao foro das mais íntimas e incompartilhadas experiências? Em certos episódios do livro, o próprio Roth nos mostra quanta curiosidade existe de parte a parte a respeito dos detalhes corriqueiros da vida comezinha, tanto dos judeus em relação aos “goys”, quanto vice-versa.

Todos queremos saber o que os outros realmente pensam e fazem, além da simples aparência que nos oferece a exterioridade do visível. Este é o exercício que torna tão atraentes programas do tipo Big Brother: o desvendamento da personalidade alheia, o desmascaramento, a observação implacável do caráter numa situação onde ele deve se revelar claramente, cedo ou tarde. Como apreciamos desvendar o verdadeiro caráter de um outro ser humano! Como é gratificante a constatação de que os outros são exatamente como nós, uma mistura de bem e mal, boas intenções limitadas pelo egoísmo que faz parte quase indissolúvel do nosso ser. E também aqueles que dirigem os rumos da sociedade sabem tirar proveito dos meios de comunicação, preparando-nos, através de programas como aquele, para que aceitemos a vigilância constante de nossas mais íntimas exterioridades — o que, certamente, será cada vez mais real num futuro não muito distante.

É óbvio que Alexander Portnoy é um sujeito mau caráter, mas o que ele quer mesmo é despertar a nossa empatia, que pensemos que ele é, sim, um mau caráter, mas que nós também somos, e quem mais não é?


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