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quinta-feira, 24 de agosto de 2023

A Defesa da Verdade Contra os Ataques da Malícia

Os grandes ataques da maldade e da mentira contra a verdade são geralmente praticados de uma forma cínica e desapaixonada, uma vez que a última, por estar sempre do lado da justiça, não desperta paixões naqueles que contra ela dirigem as suas invectivas. Somente aquilo que sabemos ou acreditamos que é injusto no campo da ética e da moral desperta a nossa reação apaixonada. Todavia, aqueles que se levantam conscientemente contra o que sabem ser o certo o fazem por causa de seus próprios motivos tortuosos, estando, por causa disto, imunes as paixões despertadas pela defesa do que é verdadeiro.

As pessoas devem escolher se obedecem ou não aos ditames da verdade, contudo, independentemente de sua escolha, não podem queixar-se de que aquilo que ela lhes apresenta fira ou usurpe de alguma forma os seus direitos fundamentais. Pois ela, a verdade, atua sempre dentro dos limites da justiça, e a sua máxima maior é aquela que diz que não devemos fazer aos outros o que não desejamos que eles nos façam; ou que devemos tratá-los exatamente da maneira como desejamos que nos tratem. Portanto, ela, a verdade, não tem nada a ver com o despertar das paixões, uma vez que desliza constantemente sobre as águas serenas da justiça — e as paixões são sempre o fruto de uma situação que se impõe aos indivíduos como injusta, usurpando-lhes um direito que julgam merecer por natureza ou conquista. 

Disto se segue que no embate entre a verdade e a mentira aqueles que se posicionam do lado da segunda estão, já de saída, numa posição vantajosa e, não tendo sido injustamente atacados, não podem ser acusados de estarem agindo sob a influência de paixões. Por este motivo eles conseguem, geralmente, manter a serenidade e uma boa dose de cinismo no embate com os que defendem a causa do que é correto. Consequentemente, a grande dificuldade dos que se empenham em restabelecer os princípios do que é certo, os quais foram desvirtuados, reside justamente neste ponto: em se encontrarem, já de saída, colocados numa posição de terem de defender aquilo que consideram como seu direito fundamental, havendo sido injustamente atacados por um adversário enganador e que zomba da justa indignação de quem foi espoliado de seu direito mais legítimo, que é o do usufruto da verdade, e devendo lutar arduamente para restabelecê-lo.

Por este motivo, todo aquele que na defesa da boa causa se envolve numa controvérsia, objetivando derrubar as falácias dos sofistas, precisa estar consciente de que sob a sua pessoa pende não apenas o peso de dever agir influenciado pelas paixões despertadas através do uso cínico da mentira. Precisa, também, raciocinar corretamente ao mesmo tempo em que luta para manter a condição ideal da serenidade do espírito — dificuldade que talvez explique, em parte, a sobrevivência do erro na história da humanidade por um tão longo período de embates com o que é correto. Precisa, igualmente, estar consciente da possibilidade real, e quase sempre atual, de esta condição difícil ser utilizada contra si mesmo pelos seus adversários, lançando-lhe estes a pecha de irracional e de não ter controle sobre as suas emoções.

São estas, portanto, as duas armas poderosas que os sofistas têm no seu arsenal contra os que se opõem as suas enganações: em primeiro lugar, agem serenamente procurando destruir os alicerces de tudo o que é correto, obrigando os seus oponentes a reagirem na defesa da verdade sob o efeito psicológico de um ataque injusto e roubando-lhes, em parte, a possibilidade de raciocinarem de forma isenta, livres da influência de paixões (condição indispensável para a busca da verdade); em segundo lugar, ainda se aproveitam desta situação psicológica ruim para, cinicamente, acusarem aqueles que se opõem aos seus desígnios de serem irracionais e os estarem atacando diretamente. Deste modo levam a questão para o campo dos embates pessoais, quando, na verdade, a luta contra o erro deve ser primeiramente travada no campo das ideias.

Somente quando se consegue provar cristalinamente o processo errôneo de raciocínio daqueles que pretendem estabelecer a mentira como verdade é que se pode condená-los ao limbo histórico dos sofistas mentirosos — não antes.

Todavia, a vantagem inquestionável dos sofistas tem origem no fato tão natural de que todo aquele que se lança a um ataque contra a verdade o faz para justificar os seus próprios interesses escusos, preparando da melhor forma os argumentos falaciosos que pretende utilizar antes mesmo de desferir os seus golpes, e também sabe que não está sofrendo injustiça alguma, podendo, desta forma, manter a sua serenidade. Tem, além disto, consciência de que qualquer um que não tenha os seus mesmos objetivos e se indisponha contra as mentiras e sofismas que utiliza experimenta uma indignação perante a injustiça e subversão da verdade neles contida, ficando com o seu raciocínio comprometido. Se aquele que assim está sob a influência da paixão pela defesa da verdade dirige os seus ataques não contra os argumentos falaciosos em si, mas contra o que os utilizou, é por esse cinicamente acusado de não ser uma pessoa racional e de estar sendo intransigente.  

Consciente desta tática dos falaciosos e mentirosos, e havendo adquirido no embate com tais enganadores a consciência desta fragilidade tão humana, aquele que pretende defender qualquer verdade contra os ataques da malícia deve aprender a não se deixar envolver pelo cinismo de seus detratores, bastando para isto não lhes conferir nenhuma credibilidade, procurando manter sempre a mente serena, permitindo, deste modo, que se estabeleça nela um ambiente propício para o surgimento da razão, a qual sempre responde por si mesma a todos os que se lhe opõem, destruindo os argumentos sofísticos pela sua mera aparição. Havendo mostrado claramente o erro, aquele que estava sendo atacado pelo cinismo injusto dos inimigos do que é o certo e verdadeiro pode até mesmo dar-se ao luxo de zombar deles, assim como o profeta Elias fez com os profetas de Baal quando esses invocavam o nome daquele falso deus, o qual não podia responder-lhes de maneira alguma: “Clamai em altas vozes, porque ele é deus; pode ser que esteja meditando, ou atendendo a necessidades, ou de viagem, ou a dormir e despertará. (1Rs 18:27)"


José Cassais

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