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sábado, 4 de maio de 2013

Flaubert - Madame Bovary

Madame Bovary era uma mulher que desejava muito realizar todos os seus sonhos. Ela poderia ter vivido uma existência sem grandes sobressaltos. Poderia ter sido mais uma mulher casada com um marido trabalhador, o qual lhe proporcionasse uma existência tranquila numa casa agradável e com alguns filhos para cuidar, e tempo para dedicar-se a suas leituras prediletas. Talvez os problemas de Bovary tenham começado exatamente aí, nos livros que lia. Tal como o Don Quixote, deixava-se influenciar em demasia pelo que encontrava nos livros, desejando transformar o seu conteúdo em realidade, vivenciá-lo ela mesma, sonhando sempre com o que poderia ser a sua vida ideal. O cavaleiro da triste figura não esperou que as oportunidades surgissem, o que talvez jamais acontecesse, mas tratou de ele mesmo forjar em sua vida as circunstâncias apropriadas com o fim de trazer à luz as quimeras que conhecia através de suas leituras. Mme, Bovary talvez, ao contrário do fidalgo, jamais tentasse viver uma vida semelhante à dos personagens de seus livros se a própria realidade não viesse cooperar com a sua imaginação exaltada. Provavelmente, ela permaneceria apenas no exagero da manipulação de suas circunstâncias exteriores, extravasando sua imaginação em gastos excessivos na decoração do lar. Mas as circunstâncias cooperaram com o desejo que ela tinha de vivenciar coisas diferentes, principalmente no que se refere a romance. Os homens certos, as festas exemplares apareceram em seu caminho nas circunstâncias apropriadas. E ela, então, se deixou levar pelas fantasias e desejos cada vez mais, envolvendo-se numa rede de traições e débitos que, por fim, a levaram ao suicídio, quando os amantes não corresponderam às expectativas que entretinha e as suas dívidas se tornaram impagáveis.

Não se pode dizer que Bovary tivesse um bom caráter. Seu marido não chegava a ser um Don Juan, e com certeza não satisfazia a todas as suas expectativas românticas, mas, como se diz, “dava para o gasto”. Deu-lhe uma filha, uma boa casa, uma situação estável. Todavia, no cerne da trama do livro está a questão filosófica da realização pessoal na área do amor romantizado. É a mesma questão levantada pela filósofa Ayn Rand em seu livro monumental “A Revolta de Atlas”, onde um dos personagens é justificado em cometer adultério com a personagem principal do livro pelo motivo de ela ser a própria realização da essência de todos os seus desejos sexuais. Por outro lado, a moça também se sente justificada em abandoná-lo quando aparece um homem que vai mais ao encontro do que ela esperava ter. De acordo com esta maneira de pensar devemos ir em frente, trocando de parceiro conforme vai aparecendo alguém que preencha melhor nossas expectativas românticas, e as pessoas abandonadas vão ficando pelo caminho — neste caso, o melhor para elas é aceitarem filosoficamente os motivos dos que não acreditam em fidelidade.

Ao contrário de Rand, o escritor Flaubert não procura desculpar sua personagem, todavia o peso das consequências de suas ações acaba desabando sobre ela integralmente — coisa que nem sempre acontece, necessariamente, na vida real. Contudo, quem vive de fantasias em algum momento deve acertar as contas com o mundo real. Não é por acaso que Flaubert é considerado o grande mestre do realismo literário.

 

José Cassais

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