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sexta-feira, 25 de agosto de 2023

A Identidade do Gaúcho Rio-grandense


Atualmente nós, que nascemos e vivemos aqui no Rio Grande do Sul, estamos perdendo aquela energia que nos chegava da ligação mais estreita que tínhamos, no passado, com esta terra vibrante. Nossa mentalidade, nosso caráter, está cada vez mais sendo formado pela cultura predominante no centro do país via televisão, música, cinema e tudo o mais que por lá é produzido. Um modo de ser, pensar e manifestar-se o qual não tem relação alguma com aquele que poderíamos apresentar caso permitíssemos que a nossa personalidade fosse plasmada pela influencia do meio no qual nos encontramos imersos, de acordo com o que a experiência já mostrou ser fatual, tal modo está sendo aos poucos inoculado de forma insidiosa em cada um de nós. A mentalidade das novas gerações desta terra não poderá denominar-se “gaúcha” propriamente, uma vez que a criança (e o adulto, também) que despende várias horas, todo dia, em frente ao televisor assistindo programas produzidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, ou ouvindo músicas também compostas naquelas plagas, é facilmente aculturada e termina por integrar à sua personalidade em formação o modo de ser específico dos personagens, reais ou virtuais, apresentados nestes programas e músicas. 

Mais do que qualquer outra influência são as novelas, verdadeira mania e ópio nacional, as maiores responsáveis pela formação, nas pessoas que vivem aqui no Rio Grande do Sul, de um caráter alienígena, totalmente oposto ao que iriam desenvolver se pudessem assistir a programas na TV que fossem gerados e produzidos a partir da matéria prima que é a nossa realidade essencial. Basta observar, por breve tempo, a maneira como os personagens de tais novelas e programas se exprimem e relacionam entre si para se alcançar a convicção de que a realidade que os tornou tal como são não faz par, de maneira alguma, com aquela que influencia ou influenciaria diretamente a formação das pessoas nascidas neste estado do Rio Grande do Sul, uma vez que os valores básicos da cultura riograndense são diversos aos daquela que viceja no centro do país e acima.

A continuarem as coisas do jeito como estão, dentro em breve só nos restará o melancólico cultivar das tradições. Pois de nada adianta cantar músicas de cunho regionalista e nunca vivenciar o que elas exprimem. Tal vivenciar deveria acontecer do amanhecer ao anoitecer, e até mesmo enquanto estivéssemos dormindo. Não é suficiente envergar a persona de “gaúcho” apenas aos domingos, no CTG. Ser gaúcho não significa andar de bombacha e chapéu, e falar grosso, mas sim permanecer, constantemente, em contato estreito com a terra, a fauna, a flora, os rios e lagoas, o vento, as estrelas e a luminosidade específica do nosso céu — e permitir que desse contato desabroche o nosso ser essencial. 

O que acima está escrito aplica-se, principalmente, aos alimentos oferecidos pelos médiuns eletrônicos, nossa dieta de bits indigestos. Não é que sejamos melhores do que os outros. Entretanto, isso não significa que por termos valor igual podemos ser aculturados. Qualquer povo ou etnia tem o direito e o dever de encontrar maneiras de preservar-se contra esta forma insidiosa e paralisante de aculturação que é a realizada pela comunicação de massa, muito embora, no âmbito individual, cada um possa decidir-se por um tipo particular qualquer de manifestação cultural, colhendo aqui e ali os modelos que julgar convenientes para a sua vida. Em última analise, os meios de comunicação podem fazer-nos muito inferiores aquilo em que iríamos tornar-nos a partir do uso da matéria prima que encontramos abundantemente ao nosso redor, em nossa cultura particular.

Em vista disso, o importante é que a escolha que devemos realizar, relativa àqueles itens que desejamos incorporar ao nosso estilo de vida, dirija-se naturalmente para tudo aquilo que pode ser considerado como produto de qualidade superior da atividade de culturas diversas. Desta maneira, no momento em que um dado novo passa a fazer parte da vida cultural mais geral do povo tal acontecimento desenvolveu-se a partir de opções individuais, o que é um processo natural, e não uma imposição feita a um grande número de pessoas sem passar por uma criteriosa seleção individual e a chancela da consciência de cada envolvido no processo. Deste modo, todo novo elemento incorporado ao ambiente cultural original mostrar-se-á perfeitamente adaptado às circunstâncias específicas em questão, além de útil. Estas aquisições fazem parte da evolução social da humanidade. 

O ponto central aqui desenvolvido é que, no processo de aculturação realizado pelos meios de comunicação de massa, certo tipo de mentalidade, ou maneira de ser, pode vir a instalar-se naqueles grupos submetidos a tal processo, inferior aqueles que poderiam ou deveriam ser neles formados caso permanecessem expostos tão somente as influências específicas de seu próprio ambiente — não imediatamente, mas de forma cumulativa.

Nenhuma imposição cultural massiva é desejável sem a chancela da escolha individual e plenamente consciente. A televisão é apenas um exemplo, o mais evidente. Contudo não é, de maneira alguma, o único meio para a concretização deste genocídio psicológico e espiritual.

José Cassais

(Este texto foi escrito há mais de quarenta anos. Atualmente, o processo de aculturação já praticamente se completou, não causando muita estranheza a semelhança constatada pela comparação entre o comportamento e caráter dos atuais “gaúchos” e o que se vê nos personagens das novelas da televisão brasileira.)

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