Logo nas primeiras páginas, o estilo adotado pelo autor me fez lembrar o Ulisses, de James Joyce — do qual, aliás, também só havia lido as primeiras páginas. Esta impressão foi confirmada por uma alusão a Joyce, mais adiante. Veem-se, então, algumas pessoas que se hospedam em um hotel numa região costeira da França, estando reunidas em um lugar aprazível à beira-mar, como se estivessem de férias. Na verdade, a situação delas é superior à daqueles que se encontram de férias no mesmo local, pois estão ali por quanto tempo desejarem, aproveitando as amenidades da estação. São suficientemente ricas para não estarem limitadas pelo tempo exíguo que o comum dos mortais chama de "férias." Quando o tempo mudar, ou quando desejarem condições atmosféricas diferentes, partirão. Além disso, possuem, todas, uma apreciável bagagem cultural, característica comum daqueles que não tem a mínima preocupação financeira, sendo que muitas delas são expoentes em áreas culturais ou científicas: literatura, cinema, psiquiatria... suas experiências são mais sofisticadas que as das outras pessoas, sendo matizadas com um toque de poesia e cultura. O homem comum observa o tempo à beira-mar e imagina se vai haver sol ou chuva, isto é, se o clima permitir-lhe-á banhar-se ou adquirir um bronzeado. O homem de cultura e livre de preocupações financeiras é senhor de seu tempo, e, se as condições atmosféricas mudam, ele sabe apreciar o céu tempestuoso, as ondas revoltas, o frio cortante. Estas coisas lhe sobrevêm como poesia.
O livro não parece ter um enredo,
de início, e se o tem seria preciso escavar muito para descobri-lo sob a
superfície de tantos episódios. Rosemary, jovem e bem-sucedida atriz de cinema,
é a moça que aparece na praia observando os grupos já formados aos quais, logo,
ela estará integrada. Num deles encontra-se Dick, psiquiatra autor de vários
textos reconhecidos e casado com Nicole, mulher jovem com problemas mentais e ex-paciente
dele, herdeira de uma fortuna considerável. Até um certo ponto o livro parece
chato, apesar do encantamento que se sente ao entrar na intimidade destas
pessoas que podem desfrutar a vida de uma maneira inacessível para a imensa
maioria dos seres humanos, sem a preocupação do dinheiro, senhoras absolutas de
seu próprio tempo e equipadas com uma bagagem cultural que lhes confere um
gosto refinado — coisa que os muito ricos de países que não tem uma tradição de
cultura clássica não parecem possuir. Como diz o autor do livro, elas
aprenderam a apreciar qualidade antes do que quantidade. Logo, porém, o leitor
descobre o que há na obra de Fitzgerald que a torna digna de uma leitura atenta
e talvez, até mesmo, de uma releitura: certas cenas de tensão dramática
desenvolvidas brilhantemente. Surge a possibilidade de um duelo. Mckisco,
aspirante a escritor, por conta de uma discussão intempestiva, vê-se desafiado
por Barban, um legionário e aventureiro arrogante. Quantas vezes, na vida de
todas as pessoas, não surgem situações deste tipo, com o fim de testar o nosso
caráter! Em última instância, o que ganhamos delas é conhecermos melhor a nós
mesmos. Ou pagamos com a vida, tentando aprender. Mckisco consegue, com a ajuda
de um pouco de álcool, desenvencilhar-se dignamente da situação. Ele faz o que
se espera dele, arrisca-se o mínimo possível, tem sorte e sai ileso. O
fanfarrão Barban gostaria de arriscar-se mais, porém existem regras para os
duelos.
Apesar de contar a sua estória do
ponto de vista ora de um personagem ora de outro o livro é, na verdade, a
história de um casamento. Mesmo sentindo-se atraído por Rosemary, Dick
compreende que o seu destino está misteriosamente ligado ao de Nicole, mulher
com sérios problemas de personalidade que chegam às raias da doença, por conta
de traumas de infância. Entretanto, mesmo esta ligação, a qual confere um
sentido mais permanente à existência dos seres humanos, pode ser arruinada se
um dos dois envolvidos achar que deve ou precisa ter novas experiências. Mas
não se trata apenas disto. A traição, para Dick, é um episódio que não consegue
abalar o seu compromisso com Nicole; para ela é o início de uma nova vida.
Algumas pessoas não tem a fidelidade como um dos traços permanentes de seu
caráter. A recompensa de Dick: ir afundando na obscuridade de uma vida
profissional cada vez mais limitada. Ele era, conforme diz o autor do livro, um
homem pertencente a maioria, com uma só ideia importante. Já havia entregue sua
contribuição para a sociedade.
José Cassais
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